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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Relatório da Bienal - 211 e 310

                    Governo do Estado do Rio de Janeiro         
                    Fundação de Apoio à Escola Técnica
                    Escola Técnica Estadual Juscelino Kubitscheck

                    Disciplina: LITERATURA

         Professor (a): _Neide Amorim

                    Aluno (a): ______________________________________________ Nº: _________
                    Turma: ____________      Data: _______ / _______ / _______

                      RELATÓRIO - BIENAL DO LIVRO
Obs.: Só será válido, se vier em anexo o ingresso.
O relatório deverá ter entre 15 e 20 linhas.

BIENAL DO LIVRO

Aí, galera da 211 e 320. Observei a programação e vocês podem elaborar o relatório sobre qualquer autor,  menos sobre a Hillary Duff. Ok?

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Aluno nota 10

O bom aluno – aquele que normalmente se distingue entre os melhores – é o que sabe intuir o professor. Superando-o. O melhor professor é aquele que ensina sem receio de ser ultrapassado por quem aprende. Superando-se. É nesta dicotomia que se constrói a maior das riquezas, o conhecimento."Fonte - Jornal de Negócios / 20060315
Vocês são os melhores!












quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Que tal um pouquinho de MPB?


Aula - Barroco - 220- exercícios


Período literário: Barroco
1.     O que significa?
Pedra irregular ou um tipo de raciocínio que desrespeitava a lógica.
2.     Época : século XVII
3.     Características:
a)     Dualismo
b)    Instabilidade
c)     Contradição
d)    Conflito resultando em:
Paganismo X religiosidade
Vida X morte
Pecado X Perdão
Claro X escuro
Luz X Sombra
Equilíbrio X Instabilidade
Simetria X Assimetria
Austeridade X Exagero
Racionalidade X Sensualismo
Como o homem que já estava habituado ao antropocentrismo pode ter ficado tão confuso a ponto  resultar nesses elementos antitéticos: Contra-reforma religiosa.
4.     Cultismo= O cultismo, por sua vez, é o culto da formado texto e procura enfatizar a expressividade deste através do uso (e abuso) das figuras de linguagem.
Explicando mais um pouquinho o mesmo ponto: o cultismo valoriza a forma e a imagem construída no texto através de jogos de palavras (uso de metáforas, metonímias, hipérboles - exageros - antíteses, paradoxos e comparações). Este jogo de palavras brinca com os sentidos que são construídos ao longo do texto. 


A Jesus Cristo Nosso Senhor
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta piedade me despido;
Antes, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida já cobrada,
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória

Gregório de Matos

Análise estrutural: Soneto

44“A Maria De Povos, Futura Esposa”
“Discreta, e formosíssima Maria”,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosa Aurora,
Em teus olhos e boca, o sol e o dia:

Enquanto, com gentil descortesia,
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança brilhadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trata a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Ó não aguardes que a madura idade
Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada

Análise do soneto
Juízo anatômico da Bahia
Que falta nesta cidade?-Verdade.
Que mais por sua desonra? -Honra.
Falta mais que se lhe ponha? -Vergonha.
demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste socrócio? -Negócio.
Quem causa tal perdição? -Ambição.
E o maior desta loucura? -Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.
Quais são seus doces objetos? -Pretos.
Tem outros bens mais maciços? -Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos? -Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
Dou ao demo a gente asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos? -Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas? -Guardas.
Quem as tem nos aposentos? -Sargentos.
Os círios lá vêm aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.
E que justiça a resguarda? -Bastarda.
É grátis distribuída?- Vendida.
Que tem, que a todos assusta? - Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
Que vai pela cleresia? - Simonia.
E pelos membros da Igreja? -Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha? -Unha.
Sazonada caramunha
Enfim, que na Santa Sé
que mais se pratica é
Simonia, inveja, unha.
E nos Frades há manqueiras? - Freiras.
Em que ocupam os serões? -Sermões.
Não se ocupam em disputas? - Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluís, na verdade,
Que as lidas todas de um Frade
São freiras, sermões, e putas.
O açúcar já se acabou? -Baixou.
E o dinheiro se extinguiu? -Subiu.
Logo já convalesceu? -Morreu.
A Bahia aconteceu
O que a um doente acontece,
Cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, e morreu.
A Câmara não acode? -Não pode.
Pois não tem todo o poder? -Não quer.
que o governo a convence? -Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.




Conceptismo

O conceptismo, por sua vez, valoriza o conteúdo do texto num intuito persuasivo, através de jogos de idéias os quais seguem um raciocínio lógicoque se propõe evidente. É freqüente o uso de comparações explícitas, analogias e até parábola (uso de símbolos e seres inanimados para se contar uma estória de forma a melhor captar o entendimento do leitor). Observe um exemplo de texto conceptista num trecho de um sermão do Pe. Antonio Vieira, conhecido como Sermão de Santo Antônio.

Quis Cristo que o preço da sepultura dos peregrinos fosse o esmalte das armas dos portugueses, para que entendêssemos que o brasão de nascer portugueses era a obrigação de morrer peregrinos: com as armas nos obrigou Cristo a peregrinar, e com a sepultura nos empenhou a morrer. Mas se nos deu o brasão que nos havia de levar da pátria, também nos deu a terra que nos havia de cobrir fora dela. Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal; para morrer, o mundo.”

Antônio Vieira







A indústria da corrupção no Brasil
Quando falamos de corrupção, estamos nos referindo às ações que prejudicam toda uma sociedade e, não raramente, envolvem desvios de dinheiro, venda de sentenças judiciais e cobranças indevidas - neste caso, a instalação de radares em localidades impróprias, sem a mínima infraestrutura.
A reportagem feita pelo "Fantástico" , da TV Globo, demonstrou exatamente como funciona o esquema da indústria da multa, onde há desvios de dinheiro e companheirismo político. É notória a deficiência dos órgãos reguladores em fiscalizar os processos de licitação. Não raramente, presenciamos a participação dos próprios funcionários públicos nos esquemas de fraude.
Acredito que muitos não levam em consideração valores elementares para o desenvolvimento social, político e econômico de toda e qualquer sociedade. A ética e o comprometimento com a lei acabaram se tornando absolutamente dispensáveis, principalmente num país onde a corrupção é aceita com normalidade e a legislação é complacente com o erro. É bem verdade que somos um país jovem e que estamos aprendendo a lidar com os preceitos da boa conduta. Porém, há tempos, os cofres públicos vêm sendo saqueados covardemente por funcionários corruptos.
A indústria da multa é o retrato da corrupção institucionalizada, onde não há fiscalização, e a lei é algo desconhecido. Nosso país vibra com o carnaval, torce loucamente pelo Brasil na Copa do Mundo; nosso povo exige dos líderes esportivos melhores resultados, mas é incapaz de cobrar dos legisladores providências imediatas para frear e punir com rigor os crimes cometidos contra o patrimônio público, contra o povo, contra você! O Brasil precisa avançar no sentido de fiscalizar as prefeituras, os governos estaduais e a administração federal. Embora existam órgãos responsáveis por essa fiscalização, a falta de investimentos compromete sua eficiência.
O que me causa profunda tristeza e infelicidade é o fato dos governantes terem ciência da gravidade do problema, e mesmo assim, nenhuma providência é efetivamente tomada. Aos cidadãos, cabe fiscalizar, participar e cobrar soluções para os problemas hoje tidos como institucionais. Evidentemente, não existe solução imediata, mas podemos iniciar discussões sobre novos mecanismos de fiscalização. É indispensável que a sociedade participe, sobretudo cobrando a ampliação de investimentos e maior rigidez na legislação. É preciso também que tenhamos ciência da importância do exercício da cidadania e de que a corrupção prejudica o futuro do país. As fraudes e desvios não são apenas crimes, são ações que atingem direta ou indiretamente nossa vida.
Este texto foi escrito por um leitor do Globo. Quer participar também e enviar seu artigo? Clique aqui

Questões:

01. (UNIV. CAXIAS DO SUL) Escolha a alternativa que completa de forma correta a frase abaixo:

A linguagem ______, o paradoxo, ________ e o registro das impressões sensoriais são recursos lingüísticos presentes na poesia ________.

a) simples; a antítese; parnasiana.
b) rebuscada; a antítese; barroca.
c) objetiva; a metáfora; simbolista.
d) subjetiva; o verso livre; romântica.
e) detalhada; o subjetivismo; simbolista.


02. (MACKENZIE-SP) Assinale a alternativa incorreta:

a) Na obra de José de Anchieta, encontram-se poesias que seguem a tradição medieval e textos para teatro com clara intenção catequista.

b) A literatura informativa do Quinhentismo brasileiro empenha-se em fazer um levantamento da terra, daí ser predominantemente descritiva.

c) A literatura seiscentista reflete um dualismo:o ser humano dividido entre a matéria e o espírito, o pecado e o perdão.

d) O Barroco apresenta estados de alma expressos através de antíteses, paradoxos, interrogações.

e) O conceptismo caracteriza-se pela linguagem rebuscada, culta, extravagante, enquanto o cultismo é marcado pelo jogo de idéias, seguindo um raciocínio lógico, racionalista.


03. Com referência ao Barroco, todas as alternativas são corretas, exceto:

a) O Barroco estabelece contradições entre espírito e carne, alma e corpo, morte e vida.

b) O homem centra suas preocupações em seu próprio ser, tendo em mira seu aprimoramento, com base na cultura greco-latina.

c) O Barroco apresenta, como característica marcante, o espírito de tensão, conflito entre tendências opostas: de um lado, o teocentrismo medieval e, de outro, o antropocentrismo renascentista.

d) A arte barroca é vinculada à Contra-Reforma.

e) O barroco caracteriza-se pela sintaxe obscura, uso de hipérbole e de metáforas.


04. (VUNESP)

      Ardor em firme coração nascido;
      pranto por belos olhos derramado;
      incêndio em mares de água disfarçado;
      rio de neve em fogo convertido:
      tu, que em um peito abrasas escondido;
      tu, que em um rosto corres desatado;
      quando fogo, em cristais aprisionado;
      quando crista, em chamas derretido.
      Se és fogo, como passas brandamente,
      se és fogo, como queimas com porfia?
      Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
      Pois para temperar a tirania,
      como quis que aqui fosse a neve ardente,
      permitiu parecesse a chama fria.

O texto pertencente a Gregório de Matos e apresenta todas seguintes características:

a) Trocadilhos, predomínio de metonímias e de símiles, a dualidade temática da sensualidade e do refreamento, antíteses claras dispostas em ordem direta.

b) Sintaxe segundo a ordem lógica do Classicismo, a qual o autor buscava imitar, predomínio das metáforas e das antíteses, temática da fugacidade do tempo e da vida.

c) Dualidade temática da sensualidade e do refreamento, construção sintática por simétrica por simetrias sucessivas, predomínio figurativo das metáforas e pares antitéticos que tendem para o paradoxo.

d) Temática naturalista, assimetria total de construção, ordem direta predominando sobre a ordem inversa, imagens que prenunciam o Romantismo.

e) Verificação clássica, temática neoclássica, sintaxe preciosista evidente no uso das síntese, dos anacolutos e das alegorias, construção assimétrica.


05. A respeito de Gregório de Matos, assinale a alternativa, incorreta:

a) Alguns de seus sonetos sacros e líricos transpõem, com brilho, esquemas de Gôngora e de Quevedo.

b) Alma maligna, caráter rancoroso,relaxado por temperamento e costumes, verte fel em todas as suas sátiras.

c) Na poesia sacra, o homem não busca o perdão de Deus; não existe o sentimento de culpa, ignorando-se a busca do perdão divino.

d) As suas farpas dirigiam-se de preferência contra os fidalgos caramurus.

e) A melhor produção literária do autor é constituída de poesias líricas, em que desenvolve temas constantes da estática barroca, como a transitoriedade da vida e das coisas.


Texto para as questões 06 a 08

À INSTABILIDADE DAS COUSAS DO MUNDO

        Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
        Depois da Luz se segue a noite escura,
        Em tristes sombras morre a formosura,
        Em continuas tristezas a alegrias,

        Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
        Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
        Como a beleza assim se transfigura?
        Como o gosto, da pena assim se fia?

        Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
        Na formosura não se dê constância,
        E na alegria, sinta-se triste.
        Começa o Mundo enfim pela ignorância
        A firmeza somente na inconstância.

06. No texto predominaram as imagens:

a) olfativas;
b) gustativas;
c) auditivas;
d) táteis;
e) visuais.


07. A idéia central do texto é:

a) a duração efêmera de todas as realidades do mundo;
b) a grandeza de Deus e a pequenez humana;
c) os contrastes da vida;
d) a falsidade das aparências;
e) a duração prolongada do sofrimento.


08. Qual é o elemento barroco mais característico da 1ª estrofe?

a) disposição antitética da frase;
b) cultismo;
c) estrutura bimembre;
d) concepção teocênctrica;
e) estrutura correlativa, disseminativa e recoletiva.


09. (SANTA CASA) A preocupação com a brevidade da vida induz o poeta barroco a assumir uma atitude que:

a) descrê da misericórdia divina e contesta os valores da religião;
b) desiste de lutar contra o tempo, menosprezando a mocidade e a beleza;
c) se deixa subjugar pelo desânimo e pela apatia dos céticos;
d) se revolta contra os insondáveis desígnios de Deus;
e) quer gozar ao máximo seus dias, enquanto a mocidade dura.


10. (UEL) Identifique a afirmação que se refere a Gregório de Matos:

a) No seu esforço da criação a comédia brasileira, realiza um trabalho de crítica que encontra seguidores no Romantismo e mesmo no restante do século XIX.

b) Sua obra é uma síntese singular entre o passado e o presente: ainda tem os torneios verbais do Quinhentismo português, mas combina-os com a paixão das imagens pré-românticas.

c) Dos poetas arcádicos eminentes, foi sem dúvida o mais liberal, o que mais claramente manifestou as idéias da ilustração francesa.

d) Teve grande capacidade em fixar num lampejo os vícios, os ridículos, os desmandos do poder local, valendo-se para isso do engenho artificioso que caracteriza o estilo da época.

e) Sua famosa sátira à autoridade portuguesa na Minas do chamado ciclo do ouro é prova de que seus talento não se restringia ao lirismo amoroso.






sábado, 20 de agosto de 2011

Onde você guarda o seu racismo?


Questões sobre o racismo na obra de Monteiro Lobato

A figura do negro em Monteiro Lobato [1]

Marisa Lajolo
Unicamp/iel 1998
Para Octávio Ianni

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Resumo
Este artigo analisa diferentes e contraditórias representações do negro em algumas obras de Monteiro Lobato ( 1882- 1948) , particularmente Histórias de Tia Nastácia e O presidente negro (O choque das Raças) . Discutindo a posição do narrador , o artigo levanta questões relativas às implicações ideológicas destas representações lobatianas e à relação de tais representações com outras imagens de negros construídas pela literatura.
Abstract
T his article focuses on different and contradictory representations of Afro-Brazilians in some of Monteiro Lobato's (1882- 1948) works, specially Histórias de Tia Nastácia [ Aunt Nastacia´s Tales] & O presidente negro (O choque das raças) [ The black President ( The clash of races)] . Throughout the discussion of the narrator´s position , the article raises questions regarding the ideological implications of Lobatian representations of Afro-Brazilians and their relationship with other images of Afro-Brazilians constructed by literature.
________________________________________

Na verdade, não há necessidade alguma de se trazer a política para o âmbito da teoria literária: como acontece com o esporte sul-africano, elas estão juntas há muito tempo. Por "político" entendo apenas a maneira como organizamos conjuntamente nossa vida social e as relações de poder que isso implica.[2]


Discutir a representação do negro na obra de Monteiro Lobato, além de contribuir para um conhecimento maior deste grande escritor brasileiro, pode renovar os olhares com que se olham os sempre delicados laços que enlaçam literatura e sociedade, história e literatura, literatura e política e similares binômios que tentam dar conta do que, na página literária, fica entre seu aquém e seu além.
Além do texto, aquém da vida.
Tia Nastácia, negra de estimação que carregou Lúcia em pequena [3] ganha as primeiras atenções: ela desfruta da afetividade da matriarcal família branca para a qual trabalha e, ao mesmo tempo, apesar de suas breves mas muito significativas incursões pela sala e varanda, encontra no espaço da cozinha emblema de seu confinamento e de sua desqualificação social .
Ao longo da obra infantil lobatiana, a exceção ao carinho brincalhão que a cerca vem sempre pela boca da Emília que em momentos de discussão e desentendimento desrespeita a velha cozinheira, como sucede em algumas passagens de Histórias de Tia Nastácia :
Pois cá comigo - disse Emília- só aturo estas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e até bárbaras - coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto ! [4]
- Bem se vê que é preta e beiçuda ! Não tem a menor filosofia, esta diaba. Sina é o seu nariz, sabe ? Todos os viventes têm o mesmo direito à vida, e para mim matar um carneirinho é crime ainda maior do que matar um homem. Facínora !
- Emília, Emília ! - ralhou Dona Benta.
A boneca botou-lhe a língua (p.132)
Similares má-criações têm servido de munição para leituras que tomam o xingamento como manifestação explícita do racismo de Lobato, questão incômoda, de que os estudiosos do escrito têm de dar conta :
(...) é fora de dúvida que Lobato subscreve preconceitos etnocêntricos e mesmo racistas (...) [5]
"Tia Nastácia, por exemplo, é um poder que representa a presença da cultura e saber populares, um saber mágico, empírico, fruto do conhecimento da vida pelo seu exercício real.
(...) Após cada história contada pela cozinheira, há comentário dos personagens. A maior parte destes comentários falam da pobreza e da ingenuidade da imaginação popular . Todos criticam as histórias de tia Nastácia, principalmente Emília, que as considera bobagens de negra velha.
(...) apesar de todo este descontentamento com as histórias folclóricas, em A chave do tamanho, Emília consegue salvar sua vida ameaçada pelos insetos, lembrando-se de uma das histórias da cozinheira (p/139-140) [6]
Francamente eugenista, a trama urdida por Lobato em O choque, onde a inteligência dos brancos acabava vencendo, vem destacar posições ambíguas do escritor. Mas, se neste livro ele abraça idéias acerca da superioridade racial, em outros momentos resgata o elemento de origem africana e reconhece seu papel na cultura brasileira - como na caracterização de Tia Nastácia e Tio Barnabé - personagens do Sítio do Picapau Amarelo representantes do saber popular. E tampouco se esquiva em denunciar as crueldades do escravismo, conforme se pode constatar no conto "Negrinha". [7]
Efetivamente, a representação do negro, em Lobato, não tem soluções muito diferentes do encaminhamento que a questão encontra na produção de boa parte da intelectualidade brasileira, e não só da contemporânea de Lobato, como vêm ensinando os estudos de Heloísa Toller [8] . Longe de desqualificar a questão, esta ambigüidade torna-a ainda mais relevante. Mas os melhores ângulos para discuti-la não se esgotam na denúncia bem intencionada dos xingamentos de Emília, absolutamente verossímeis e, portanto, esteticamente necessários numa obra cuja qualidade literária tem lastro forte na verossimilhança das situações e na coloquialidade da linguagem.
Caminho mais sugestivo do que este parece ser discutir como se coloca a questão da representação do negro no livro Histórias de Tia Nastácia, onde ela comparece a partir do título. Publicada em 1937, a obra é uma antologia de contos populares contados em uma moldura narrativa familiar à obra de Lobato: tia Nastácia desfia histórias para os demais moradores do sítio que, na posição de ouvintes, comentam as histórias que ouvem. À medida que o livro prossegue, as relações entre Tia Nastácia e seus ouvintes vão se tornando mais tensas quanto mais cresce a insatisfação da platéia com as histórias narradas, às quais ninguém poupa críticas:
Eu (...) acho muito ingênua esta história de rei e princesa e botas encantadas, disse Narizinho. Depois que liPeter Pan, fiquei exigente . Estou de acordo com a Emília (p.13)
A crítica a histórias da carochinha não é de modo algum inovação deste livro, já que em outras passagens da obra de Lobato diferentes personagens exprimem insatisfação com histórias tradicionais [9], histórias estas provenientes da mesma matriz de onde vem o repertório de tia Nastácia.
Ao lado da recorrência, na obra infantil lobatiana, de críticas severas a histórias tradicionais, também é recorrente em sua obra a narrativa "em encaixe" isto é, a narrativa dentro da narrativa como ocorre nas Histórias de tia Nastácia e que também ocorre em Peter Pan (1930) e em D.Quixote das crianças (1936). Quem nestes dois livros ocupa a posição de contador de histórias é Dona Benta. Nos dois casos ela conta as histórias que lê em livros estrangeiros, e enquanto adulta e reconhecidamente mais experiente, narra de um espaço hegemônico em relação aos seus ouvintes.
Já quando Tia Nastácia assume a posição de contadora de histórias, a relação de forças entre ela e sua audiência (a mesma das histórias de Dona Benta) é completamente outra [10]. Tia Nastácia transfere para o lugar de contadora de histórias a inferioridade sócio cultural da posição (de doméstica) que ocupa no grupo e além disso (ou, por causa disso...), por contar histórias que vêm da tradição oral não desempenha função de mediadora da cultura escrita, ficando sua posição subalterna à de seus ouvintes, consumidores exigentes da cultura escrita, como explicitou Narizinho na citação acima.
A assimetria de posição entre narrador/ouvinte que ocorre em Histórias de Tia Nastácia, no entanto, ocorre também em outras obras da época, e que são, igualmente, recolha emoldurada de contos folclóricos: Histórias do Pai João (Oswaldo Orico, 1933), Histórias da velha Totonha (José Lins do Rego, 1936), Histórias da Lagoa Grande (Lúcio Cardoso, 1939), O boi aruá (Luís Jardim, 1940) elencam contos desfiados por contadores negros. A originalidade vem um pouco depois pelas mãos de mestre Graciliano, com suas Histórias de Alexandre de 1944.
É como exceção que o livro de Lobato, ao lado do de Graciliano, destaca-se do conjunto de antologias.
Embora Histórias de Alexandre mantenha parentesco estrutural com todas as obras acima citadas, o parentesco se enfraquece ao romper-se a situação narrativa comum a todas elas, onde a figura de um(a) negr(o)(a) conta histórias para uma platéia constituída por crianças quase sempre brancas. Alexandre narra histórias para uma audiência adulta como ele e, como ele, sertaneja, dissolvendo-se, assim, a assimetria pretos e brancos, cultura da oralidade e cultura da escrita, adulto e criança, tão marcada nas obras de Lins do Rego, Lúcio Cardoso e Luiz Jardim.
Alexandre conta histórias para seus pares e as histórias que conta - e agora também à dessemelhança das histórias de Tia Nastácia- são, quase sempre, aventuras que ele diz ter testemunhado ou protagonizado. Como as crianças do sítio, a assistência de Alexandre é muitas vezes desconfiada do que ouve .
Mas a incredulidade dos ouvintes de Alexandre não chega a comprometer o equilíbrio das forças que se medem no ato de contar histórias: a tensão se dissolve quando Cesária, mulher do narrador, solicitada pelo marido, avaliza as histórias. Estas, tendo sua veracidade assegurada, passam a ser aceitas pela platéia .
Já no livro de Lobato, o antagonismo platéia/ Tia Nastácia não se resolve, uma vez que a Tia Nastácia não tem aliados. Parecendo mais sofisticados, seus ouvintes reclamam, não da veracidade das histórias, mas da verossimilhança delas e da precariedade da estrutura narrativa:
-Esta história - ainda está mais boba que a outra. Tudo sem pé nem cabeça. Sabe o que me parece ? Parece um história que era de um jeito e foi se alterando de um contador para outro, cada vez mais atrapalhada, isto é, foi perdendo pelo caminho o pé e a cabeça. (p.21)
Histórias de Tia Nastácia, contudo, ainda se diferencia dos demais livros de organização semelhante pelo fato de que as histórias nele contadas - e a situação de contá-las - decorrem de uma espécie de projeto explicitamente enunciado por Pedrinho, que, a partir de um artigo de jornal começa a interessar-se por folclore:
- As negras velhas - disse Pedrinho - são sempre muito sabidas. Mamãe conta de uma que era um verdadeiro dicionário de histórias folclóricas, uma de nome Esméria, que foi uma escrava de meu avô. Todas as noites ela sentava-se na varanda e desfiava histórias e mais histórias (p. 3) [11]

Tia Nastácia é o povo. Tudo o que o povo sabe e vai contando de um para outro, ela deve saber. Estou com o plano de espremer Tia Nastácia para tirar o leite de folclore que há nela (p.3)
Assim, na moldura da situação na qual as histórias de Tia Nastácia são contadas (o projeto iluminista de Pedrinho), temos já explícita e inevitável a assimetria que rege a situação. Sem idealizações e sem meias palavras, os leitores das Histórias de Tia Nastácia são voyeursde uma situação nas qual os ouvintes das mesmas histórias, sem complacência e sem papas na língua desqualificam as matrizes populares de onde vêm as histórias que ouvem .
- Essas histórias folclóricas são bastante bobas (...) Por isso é que não sou "democrática"! Acho o povo muito idiota ... (p.13)

Delineia-se então, aqui, outra especificidade do livro de Lobato: a violência com que a platéia critica as histórias contadas, declarando-as insatisfatórias e sublinhando o que considera seus defeitos. Rompe, assim, Lobato, com a complacência, geralmente meio saudosista, que dá o tom dos livros similares : a obra de Lins do Rego, sobretudo, é repassada de ternura nostálgica pela contadora de histórias, ao passo que na de Lobato a narradora é uma cobaia a ser espremida para que os ouvintes se apropriem do que chamam suco folclórico, numa metáfora que tanto lembra a vontade positivista de dar concretude às coisas do mundo da cultura, quanto a antropofagia, quanto ainda - aos nossos pós-modernos ouvidos cinematográficos - a metáfora econômica que inspira o filme de João Baptista de Andrade, O homem que virou suco .
Histórias de Tia Nastácia representa, pois, um projeto literário radicalmente distinto da atitude que oculta - na naturalidade atribuída à situação de contar histórias no serão - a latente incompatibilidade entre esta situação e os rumos que, por volta dos anos 30, ia assumindo a cultura brasileira, definitivamente embarcada numa viagem de modernização que Lobato, ainda que discordando de seu varejo, aplaudia no atacado.
Que lugar podia haver, nesse mundo moderno, para tias nastácias e as culturas que elas representavam ?
Já se apontou que a oralidade se manifesta estruturalmente também em outras obras de Lobato, nas quais o escritor recorre à moldura da narração oral, como D.Quixote das crianças [12] e Peter Pan . Nestes livros, porém, o recurso à oralidade constitui estratégia adotada por Dona Benta (talvez aqui alter ego de Lobato?) para facilitar o ingresso das crianças - ouvintes no mundo da leitura. Ou seja, em D. Quixote das crianças e em Peter Pan, se a enunciação mimetiza o mundo da oralidade, o enunciado vem do moderno mundo da escrita, ao qual se subordina o da oralidade, mero instrumento de passagem deste para aquele [13].
Mas como Tia Nastácia não é dona Benta, a situação de oralidade que ela protagoniza não aponta para além de si mesma e, sobretudo, não contribui para elevação cultural de seus ouvintes, já que nem os familiariza com a moderna literatura infantil como Peter Pan e tampouco os aproxima de clássicos como D.Quixote ; muito pelo contrário, constitui um rebaixamento cultural, já que é arcaico o mundo que se faz presente em suas histórias.
Num certo sentido, esta opção formal de Lobato torna problemática a tese que proclama fontes populares como uma das matrizes onde foram buscar inspiração certas vertentes do modernismo : a apreensão e representação da incompatibilidade entre a cultura popular e acultura das elites brasileiras, não deixa de prestar o serviço político de inscrever, na estrutura da obra, a fratura da sociedade na qual ela ocorre.
Se a França foi buscar em suas colônias africanas a inspiração para superar o esgotamento da arte racional e burguesa, os modernistas brasileiros de 22 não precisaram nem empreender a viagem transcontinental . Em um país pós colonial, os bolsões remanescentes de formas arcaicas de cultura estão sempre ao alcance da mão e da pena, coincidindo, geralmente com os bolsões de pobreza e marginalidade em que ficam confinados os segmentos da população atropelados pela modernidade. Esta começa por subtrair-lhes os instrumentos de trabalho e termina por confiscar suas formas culturais, maquiando-as, por exemplo, de primitivismo e transformando-as em mercadoria que circula por outros segmentos sociais.
No Brasil, a partir do final do século passado, incluem-se entre estes fornecedores de matéria prima da chamada cultura popular, ex-escravos, negros libertos e seus descendentes que, à semelhança de tia Nastácia e tio Barnabé, como com justiça proclamava um out-door da celebração do centenário da Abolição não tiveram carteira de trabalho assinada pela Princesa que abolira a escravidão ...
Assim, o apagamento da tensão entre o mundo da cultura de uma negra analfabeta e o da cultura das crianças brancas que escutam suas histórias pode ter um sentido alienante . Por não tematizarem a diferença e, ao contrário, por diluírem em afeto complacente o inevitável choque de cultura que tinha lugar nos serões, antologias como as de Lúcio Cardoso proporcionam ao leitor a experiência apaziguante de uma situação na qual fica apagada toda a violência do modo pelo qual se processava a modernização brasileira.
Ao explicitar no capítulo de abertura das Histórias de tia Nastácia a racionalidade programática que patrocinou, através do velho recurso ao serão, o contacto entre duas formas de cultura, o livro de Lobato deixa caminho aberto para o afloramento de contradições inevitáveis num projeto - o da modernização brasileira - que põe face a face diferentes segmentos sociais. Como resultado do enfrentamento é inevitável a transformação de ambas as culturas; mas só leva a melhor a que dispõe da infra-estrutura material e simbólica essencial à produção, circulação e consumo de cultura no mundo moderno, que passa a devorar a outra.
As contradições vão se acirrando ao logo do texto lobatiano, que, ao contrário de seus pares, não se limita a reproduzir, em forma de antologia asséptica, as histórias que Tia Nastácia conta. Lobato reproduz a história encenando a situação de narração e recepção, pondo, pois, em confronto o mundo da cultura negra do qual, no caso, Tia Nastácia é legítima porta-voz e o mundo da modernidade branca, à qual dão voz tanto as crianças como a própria Dona Benta, também ela ouvinte de Tia Nastácia e também ela insatisfeita com as histórias que ouve mas, ao contrário dos outros ouvintes, capaz de apontar, com objetividade, as razões da insatisfação:
- As histórias que correm entre nosso povo são reflexos da era mais barbaresca da Europa. Os colonizadores portugueses trouxeram estas histórias e soltaram-nas por aqui - e o povo as vai repetindo, sobretudo na roça. A mentalidade de nossa gente roceira está ainda muito próxima da dos primeiros colonizadores.
- Por que, vovó ?
-Por causa do analfabetismo. Como não sabem ler, só entra na cabeça dos homens do povo o que os outros contam - e os outros só contam o que ouviram. A coisa vem assim num rosário de pais a filhos. Só quem sabe ler e lê os bons livros, é que se põe de acordo com os progressos que as ciências trouxeram ao mundo (p.85)
Ao ir lendo a reação dos ouvintes às histórias que Tia Nastácia vai contando, o leitor de Lobato sente-se tentado a tomar partido. E só por estar lendo, são muito pequenas as chances de que sua solidariedade vá para a preta velha que desfia histórias por quem, na melhor das hipóteses e como os picapauzinhos, ele (leitor) nutre sentimentos de afeto mas que, nem por ser autênticos, deixam de ser uma das expressões que racismo assume na cultura brasileira [14]. O livro sublinha a inadequação das histórias a seu auditório na voz dos próprios ouvintes: são eles que estabelecem a diferença que afasta a tradição letrada e moderna que, erigindo-se em referente, confina à marginalidade a produção cultural que não venha deste mundo urbano e moderno. O contraponto de Tia Nastácia é Lewis Carroll, freqüentemente invocado como modelo das boas histórias .
-Essa, do Sargento Verde, por exemplo. É tão idiota que um sábio que quiser estudá-la acabará também idiota. Eu, francamente, passo tais histórias populares. Gosto mas é das de Andersen, das do autor de Peter Pan e das do tal Carrol, que escreveu Alice no país das maravilhas. Sendo coisas do povo, eu passo ... . (p.22)

Esta tendência à intolerância acaba por cassar a palavra de Tia Nastácia, passando o papel de contadora de histórias a ser exercido por Dona Benta. Mas o repertório de Dona Benta, neste caso, não vem - como tinha vindo no caso de D.Quixote e de Peter Pan - de um livro que ela tenha lido para, depois, contar aos netos. As histórias que Dona Benta conta quando assume a palavra em Histórias de Tia Nastácia originam-se em matrizes culturais tão populares quanto as das histórias da cozinheira, mas, curiosamente não despertam na platéia as reações de intolerância que o repertório de tia Nastácia tinha despertado.
A diferença de recepções pode talvez ser atribuída ao fato de que as histórias que ambas contam tenham origem semelhante, a relação de cada uma destas narradoras com o material narrado, é diferente: Dona Benta não é usuária desta cultura, mas conhecedora dela: conhece-a de livro, e não de berço.
Com isso, a relação que Dona Benta estabelece com a matéria que narra não está distante da relação que com matrizes de cultura rural e popular estabelecem os produtores da cultura urbana e culta, entre os quais o próprio Lobato [15]. É, pois, como se os serões nos quais Tia Nastácia conta suas histórias fossem um parêntesis na vida do Sítio, assim como o regionalismo é um parêntesis na literatura, segundo a visão que dele apresentam as histórias literárias canônicas.
A hipótese é verossímil e ganha força em outras passagens da obra lobatiana como, por exemplo, no fato de o Tio Barnabé (versão masculina de Tia Nastácia ...) também ficar confinado, ao longo de toda a obra infantil lobatiana a papéis secundários. Mesmo em O sacy, obra que aparentemente desmente essa secundariedade, o papel dele é o de coadjuvante de Pedrinho, auxiliar ao qual o menino recorre em situação bastante próxima da que originou as Histórias de Tia Nastácia.
Se no livro que lhe leva o nome, Tia Nastácia poderia ensinar a Pedrinho o folclore que ele queria conhecer (curiosidade, como já se viu, despertada pela leitura de um jornal), em O Saci o menino recorre a Tio Barnabé quando, interessado em sacis, é informado de que Tio Barnabé um expert no assunto .
-Pois saci, Pedrinho, é uma coisa que branco da cidade nega, diz que não há - mas há. Não existe negro velho por aí, desses que nascem e morrem no meio do mato, que não jure ter visto saci. Nunca vi nenhum, mas sei quem viu. - Quem ? - O tio Barnabé. Fale com ele . Negro sabido está ali ! Entende de todas as feitiçarias, e de saci, de mula-sem cabeça, de lobisomem - de tudo [16] .
Se o espaço de Tia Nastácia é a beira do fogão, a marginalidade narrativa de Tio Barnabé concretiza-se no detalhe de sua cabana localizar-se nos confins do sítio:
Tio Barnabé era um negro de mais de oitenta anos que morava no rancho coberto de sapé lá junto da ponte(p.184) .

Ou, seja, como já se sugeria acima: se não havia lugar para os dois negros no sítio da Dona Benta como haveria lugar para eles no Brasil de Lobato ?
A hipótese da inadequação de Tia Nastácia e de Tio Barnabé à modernidade dos anos 30 do qual o sítio de Dona benta é emblema e utopia confirma-se em outras passagens da obra lobatiana. Todas as vezes que Tia Nastácia acompanha os picapauzinhos nas aventuras que se passam além da porteira do sítio, ela cumpre, nos novos espaços, o mesmo papel que cumpria dentro do sítio: fazendo bolinhos para o Minotauro ou fritando batatas para o príncipe Codadad é a velha Nastácia que se reencontra sempre, numa imobilidade ficcional que parece combinar bem com a representação da imobilidade social a que estão confinados os segmentos dos quais ela pode ser o emblema.
É quase como se pudéssemos dizer que, no Brasil dos anos 30 que se queria moderno, só restava a Tia Nastácia papel de informante, de fornecedora de histórias das quais as outras personagens lobatianas se apropriavam como antropólogo em viagem de campo, garimpando alteridades e exotismos que, retrabalhados passam a constituir tanto objeto da ciência (o folclore) quanto objetos de alta valorização estética (a obra modernista), em nenhum dos dois casos retornando o produto a seus sujeitos de origem.
Se o conjunto da obra infantil lobatiana confirma e reforça a marginalidade da cultura popular representada por Tia Nastácia, esta marginalidade ganha tintas trágicas na obra adulta do escritor [17]. Em pelo menos dois contos não infantis a mesma marginalidade ressurge, conduzindo a desenlace diverso : tanto o jardineiro Timóteo quanto o negro Leandro (de "Bugio Moqueado") [18] podem emblematizar, no fim trágico de cada um, a impossibilidade de sobrevivência de certos segmentos da população brasileira a partir da instauração do processo de modernização.
Em particular no caso de Timóteo, o texto lobatiano acumula índices que configuram o passadismo da cultura que o jardineiro representa, em contraste com a cultura moderna representada pelos novos donos da fazenda, brancos e proprietários de um carro no qual chegam à fazenda com plano de modernizá-la ... Em outra clave, mas no mesmo acorde, funciona a dramática denúncia do narrador lobatiano do racismo do qual Negrinha é vítima, constituindo o conjunto destas representações do negro na obra adulta de lobato contraponto eficiente do paternalismo afetuoso - embora, como se viu, rompido em Histórias de tia Nastácia - que pontua a relação dos moradores do sítio para com tia Nastácia.
A questão do negro se recoloca quando analisada a partir de outro livro, de publicação anterior a Histórias de tia Nastácia, absolutamente ímpar na obra lobatiana, e que verticaliza a discussão. Trata-se do romance O presidente negro que, nas primeiras edições intitulava-se O choque das raças, hoje subtítulo do livro.
Publicado inicialmente em folhetins do jornal carioca A Manhã em 1926, um pouco antes de Lobato mudar-se para Nova Iorque (onde foi adido comercial da representação diplomática brasileira) O presidente Negro representava as esperanças editoriais lobatianas em terras do Tio Sam: [19]
constava de seus planos a criação de uma Tupy Publishing Company, em cujo patrimônio os elementos escandalosos e polêmicos do livro eram considerados de muito valor:
Um escândalo literário equivale no mínimo a 2.000.000 dólares para o autor e com essa dose de fertilizante não há Tupy que não grele. Esse ovo de escândalo foi recusado por cinco editores conservadores e amigos de obras bem comportadas, mas acaba de encher de entusiasmo um editor judeu que quer que eu o refaça e ponha mais matéria de exasperação. Penso como ele e estou com idéias de enxertar um capítulo no qual conte a guerra donde resultou a conquista pelos Estados Unidos do México e toda essa infecção spanish da América Central. O meu judeu acha que com isso até uma proibição policial obteremos - o que vale um milhão de dólares. Um livro proibido aqui sai na Inglaterra e entra boothegued como o whisky e outras implicâncias dos puritanos. (Cartas escolhidas S Paulo. 6a. ed. 1970 p. 112)
Passando-se nos Estados Unidos do ainda hoje remoto ano de 2228, a ação de O presidente negro, como a das Histórias de Tia Nastácianão se oferece ex-abrupto a seus leitores : tem a mediá-la a voz do desajeitadíssimo Airton que, por acidente, torna-se confidente de um cientista e através de uma máquina do tempo assiste, como numa tela de cinema, a acontecimentos que têm lugar na América do Norte, no ano de 2228. Como a partir de um certo ponto a máquina se desarranja, o resto da história é contado a ele em parcelas semanais, pela filha do cientista, que desafia Airton a escrever a história.
Não é preciso dizer que O presidente Negro é a história resultante da aposta [20]
Através do porviroscópio, Jane testemunha e narra o desenlace do conflito racial nos Estados Unidos que acaba tendo uma solução tãofinal quanto o foi a solução nazista para o problema judeu: a aniquilação dos negros, através de sua esterilização em massa . Na voz de Airton ressoa o horror bem educado pelo genocídio, e é a parcimônia de sua reação e o tom comedido dela que incomodam .
Ou seja, o decoro de Airton tem efeitos de sentido tão problemáticos quanto a vigorosa voz dos netos de Dona Benta que, sem papas na língua, desancam as histórias que lhes conta tia Nastácia.
A discussão desta divergência precisa levar em conta que Airton não está falando do aqui nem do agora, nem de Lobato nem de seus leitores. O choque das raças que o romance narra explode em outro hemisfério e alguns séculos à frente, o que, literalmente, afasta o tema polêmico, mecanismo de atenuamento que se reforça pelo tom de paródia e chanchada dos capítulos finais que, abandonando o futuro e a distância, voltam a centrar-se no aqui e agora de um Rio de Janeiro bastante provinciano.
Por outro lado, certos traços assumidos pela cultura afro-americana na segunda metade do século XX, na esteira do black is beautifulconferem traço profético a um detalhe do livro de Lobato: na história, o processo de esterilização dos negros se fazia à revelia deles, embutido num processo de alisamento dos cabelos e de despigmentação, o que hoje evoca inescapavelmente o caso de Michael Jackson ...
Pode-se, assim, ler em O presidente negro uma grande metáfora das conseqüências da desculturação de um grupo étnico e, simultaneamente, o grau de solidariedade entre ciência, arte, tecnologia e comunicação, tal como são praticados nas instâncias centrais e que só encontram seu sentido último nas lutas que pelo poder se travam no corpo social. Comunicação, tecnologia, arte e ciência, no caso, serviram para a população branca exterminar a população negra.
Reflexão que, se não deixa de ser melancólica, permite retomar a epígrafe e enlaçar o pensamento de Terry Eagleton com Histórias de Tia Nastácia e com O presidente negro.
Em ambas as obras, a representação do negro e de sua inserção no seio de uma sociedade que se quer branca não hesita no realismo das soluções narrativas adotadas, inscritas ambas na moldura da oralidade . Quer na chave do realismo fantástico da história norte-americana, quer na do realismo miúdo e cotidiano do sítio de Dona Benta, o conflito é violento porque ele não era menos violento na vida real, nem abaixo nem acima do Equador. E a literatura, uma das arenas mais sensíveis na encenação deste conflito, representa-o, no caso de Lobato, num discurso sinuoso que ao des-velar as convenções de apaziguamento inaugura uma tradição que, ainda que do avesso, é hoje passada a limpo em poemas como por exemplo "Charqueada grande"de Oliveira Ferreira da Silveira que fecha este texto:
Charqueada grande
Um talho fundo na carne do mapa:
Américas e África margeiam.
Um navio negreiro como faca:
mar de sal, sangue e lágrimas no meio
Um sol bem tropical batendo forte,
ventos alíseos no varal dos juncos
e sal e sol e vento sul no corte
de uma ferida que não seca nunca [21]

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Notas:
[1]Versão anterior deste trabalho foi apresentada no Congresso 100 Anos de Abolição, na Universidade de São Paulo em junho de 1988
[2] Eagleton, Terry. Teoria literária: uma introdução. Martins Fontes: São Paulo p.210
[3] Monteiro Lobato. reinações de Narizinho. São Paulo: Brasiliense. 1956 .
[4] Monteiro Lobato. Histórias de tia Nastácia. Ed. Brasiliense: São Paulo. 6a. ed. 1957 p.30. As demais citações provêm desta edição e indicam apenas a página.
[5] Vasconcelos, Zinda Maria Carvalho de. O universo ideológico da obra infantil de Monteiro Lobato. S.Paulo: Traço Editora. 1982
[6] Campos, André Luiz Vieira de A república do Picapau Amarelo : uma leitura de Monteiro Lobato São Paulo: Martins Fontes. 1986
[7] Azevedo, Carmen Lúcia; Camargos, Márcia; Sacchetta, Vladimir : Monteiro Lobato, furacão na Botucúndia . São Paulo: Editora Senac. 1997 .
[8] Estudos excelentes sobre a representação literária do negro encontram-se nos livros de de Heloísa Toller Gomes As marcas da escravidão (RJ: Ed. URRJ 1994) e O negro e o romantismo brasileiro (SP : Atual editora. 1988)
[9] (...) tenho notado que muitos dos personagens das minhas histórias já andam aborrecidos de viverem toda a vida dentro delas. Querem novidade. Falam em correr mundo a fim de se meterem em novas aventuras. Aladino queixa-se de que sua lâmpada maravilhosa está enferrujada. A Bela Adormecida tem vontade de espetar o dedo noutra roca para dormir outros cem anos. O Gato-de-botas brigou com o Marquês de Carabas e quer ir para os Estados Unidos visitar o Gato Félix . Branca de Neve vive falando em tingir os cabelos de preto e botar ruge na cara. Andam todos revoltados, dando-me um trabalhão para contê-los. Mas o pior é que ameaçam fugir, e o pequeno polegar já deu o exemplo. (Monteiro Lobato. Reinações de Narizinho . SP.: Brasiliense. 7a. ed. 1957 p. 11)
[10] A partir daqui, a análise recorre a alguns elementos já esboçados no capítulo Da matriz européia ao folclore brasileiro .de Literatura infantil brasileira: história e histórias (Marisa Lajolo e regina Zilberman. SP. Editora Ática) .........................
[11] Assim se lê numa das folhas de rosto de O sacy (um inquérito) : À memória da saudosa Tia Esméria, e de quanto preta velha nos pôs, em criança, de cabelo arrepiados, com histórias de cucas, sacys e lobisomens, tão mais interessantes que as larachas contadas hoje aos nosso pobres filhos por umas lambisgóias de touca branca, numa algaravia teuto-ítalo-nipônica que o diabo entenda. Vieram estas corujas civilizar-nos; mas que saudades da tia velha que em vez de civilização requentada a 70$000 réis por mês, afora bicos, nos apavorava de graça. (s/n)
[12] cf Lajolo, Marisa: Lobato, um Dom Quixote no caminho da leitura in Do mundo da leitura para a leitua do mundo São Paulo: Editora Ática 2a. ed. 1997
[13] Adriana Silene Vieira, na Dissertação de Mestrado Um inglês no sítio do Picapau Amarelo, cuja pesquisa contou com financiamento da CAPES, desenvolve uma bela e sugestiva análise das funçôes exercidas pela narração em moldura na obra infantil lobatiana .
[14] Cf. Fernandes, Florestan: A integração do negro na sociedade de classe. São Paulo : Ática. 1978; Ianni, Octávio: Escravidão e racismo . São Paulo: Hucitec, 1978 ; Pinsky, Jayme: A escravidão do Brasil . São Paulo: Global. 1985.
[15] Cf a pesquisa sobre o saci que Lobato organiza para O Estado de São Paulo (O Sacy (um inquérito) São Paulo: Seção de obras de O estado de São Paulo . 1918)
[16] Viagem ao céu e O sacy. S.Paulo: Editora Brasiliense. 1957 p.183. As demais citações provêm desta edição e indicam apenas a página.
[17] Devo esta hipótese à pesquisa em curso de Cilza Bignoto, que pesquisa a imagem infantil nas obras infantis e nas não infantis de Monteiro Lobato com apoio da FAPESP.
[18] Cf. O jardineiro Timóteo e Bugio Moqueado in Monteiro Lobato, Negrinha São Paulo: Brasiliense. 1956
[19] Em vários momentos de sua correspondência, Monteiro Lobato alude a um projeto editorial a ser desenvolvido nos Estados Unidos e do qual O presidente negro seria o carro chefe. Conferir cartas dirigidas a Godofredo Rangel em 08.07.1926, de 07.02.1927, 12.02.1927, 23.03.1927 e 05.09.1927 (Monteiro Lobato,A Barca de Gleyre, vol II) e a dirigida a Heitor no Natal de 1926 (Monteiro Lobato: Cartas escolhidas) . Conferir ainda Azevedo, Carmen Lúcia; Camargos, Márcia; Sacchetta, Vladimir : Monteiro Lobato, furacão na Botucúndia . São Paulo: editora Senac. 1997 .
[20] Vale apontar que o processo aqui, reproduz a estrutura de A moreninha, obra com que Joaquim Manuel de Macedo em 1844 inaugura o figurino do romance romântico.
[21] Ferreira da Silveira, Oliveira Charqueada grande apud A razão da chama: antologia de Poetas negros brasileiros . sel e org. de Oewaldo de Camargo. São Paulo: GDR. 1986 . p 65
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Bibiliografia:

Azevedo, Carmen Lúcia; Camargos, Márcia; Sacchetta, Vladimir Monteiro Lobato, furacão na Botucúndia. São Paulo: Editora Senac. 1997 .
Bignoto, Cilza Carla Personagens infantis na obra infantil e na obra adulta de Monteiro Lobato . Relatório de pesquisa. (mimeo) Unicamp/ Fapesp. 1997-1998 Campos, André Luiz Vieira de A república do Picapau Amarelo : uma leitura de Monteiro Lobato. São Paulo: Martins Fontes. 1986 .
Eagleton, Terry. Teoria literária: uma introdução. Martins Fontes: São Paulo .
Fernandes, Florestan A integração do negro na sociedade de classe. São Paulo: Ática. 1978 .
Ferreira da Silveira, Oliveira. "Charqueada grande" apud A razão da chama: antologia de Poetas negros brasileiros . Sel. e org. de Oswaldo de Camargo. São Paulo: GDR. 1986 .
Gomes, Heloísa Toller As marcas da escravidão. RJ: Ed. UERJ 1994.
Gomes, Heloísa Toller O negro e o romantismo brasileiro. SP : Atual editora. 1988.
Ianni, Octávio Escravidão e racismo. São Paulo: Hucitec, 1978 .
Lajolo, Marisa. "Lobato, um Dom Quixote no caminho da leitura" in Do mundo da leitura para a leitura do mundo São Paulo: Editora Ática.
Lajolo, Marisa e Zilberman, Regina Literatura infantil brasileira: história e histórias SP. Editora Ática .
Monteiro Lobato O Sacy (um inquérito) São Paulo: Seção de obras de O Estado de São Paulo. 1918 .
Monteiro Lobato Negrinha São Paulo: Brasiliense. 1956 .
Monteiro Lobato A Barca de Gleyre, São Paulo: Editora Brasiliense. 1956 2 vol.
Monteiro Lobato Histórias de tia Nastácia. Ed. Brasiliense: São Paulo. 6a. ed. 1957 p.30.
Monteiro Lobato Reinações de Narizinho. São Paulo: Brasiliense. 1956 .
Monteiro Lobato Cartas escolhidas São Paulo: Brasiliense .
Monteiro Lobato Viagem ao céu e O sacy. S.Paulo: Editora Brasiliense. 1957.
Pinsky, Jayme A escravidão do Brasil . São Paulo: Global. 1985.
Vasconcelos, Zinda Maria Carvalho de O universo ideológico da obra infantil de Monteiro Lobato. S.Paulo: Traço Editora 1982.
Vieira, Adriana Silene Um inglês no sítio do Picapau Amarelo (mimeo) Unicamp . IEL. 1998 .
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Marisa Lajolo é Professora Titular do Departamento de Teoria Literária da Unicamp, coordena o GT de História da Literatura da Anpoll ( http://www.unicamp.br/iel/histlist) e o projeto Memória de Leitura ( http://www.unicamp.br/iel/memoria) . Entre suas publicações destacam-se A formação da leitura no Brasil ( com Regina Zilberman, premio Açoreanos 97) Do mundo da leitura para a leitura do mundo ( prêmio Jabuti 94) e O que é literatura.
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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Brasil com P


O presidente negro: síntese do pensamento racista de Monteiro Lobato


O presidente negro: síntese do pensamento racista de Monteiro Lobato
16 de agosto de 2009
Edgar Indalecio Smaniotto
O presidente Negro 2008
O presidente Negro 2008
Em O Presidente Negro ou Choque das Raças (Editora Globo, 2008), publicado originalmente em 1926, Monteiro Lobato, neste seu único romance adulto e de  ficção científica, constrói uma narrativa que se passa em dois momentos distintos: em 1928 e no ano de 2.228, ou seja, trezentos anos no futuro.
Ayrton, cobrador da empresa Sá, Pato & Cia. sofre um acidente automobilístico na região de Friburgo (Rio de Janeiro) e é resgatado pelo recluso professor Benson, que o leva para sua residência. Ali, ele trava contato com a grande invenção de Benson, o “porviroscópio”, um dispositivo que permite ver o futuro, e com miss Jane, a bela e racional filha do cientista.
Como é de se esperar, Ayrton se apaixona platonicamente por miss Jane, e passa a frequentar a residência do professor Benson, mesmo após a morte do mesmo, que antes de morrer destruiu o “porviroscópio”. Em suas visitas, sempre aos domingos, Ayrton houve o relato de fatos ocorridos no futuro, no ano de 2.228, envolvendo a eleição para presidente dos Estados Unidos. Como assistidos por Miss Jane antes de seu pai destruir o “porviroscópio”.
Neste futuro existem três partidos americanos: o Partido Masculino, o Partido Feminista e o Partido Negro. Tendo em vista a população de então, descontado os menores que não podem votar, cada partido teria respectivamente o seguinte número de eleitores: 51 milhões (PM); 51 milhões (PF); e 54 milhões (PN); uma vez que o Partido Feminista é composto apenas por mulheres brancas. Os negros tem em média pouco mais que um terço dos votos, inviabilizando assim a eleição do representante de seu partido.
images1Esta situação é modificada no ano de 2.228, nesta eleição três candidatos disputam o cargo para o executivo norte-americano: Kerlog (que pretende ser reeleito pelo PM); Evelyn Astor (pelo PF) e Jim Roy (pelo PN). A divisão dos brancos em duas candidaturas possibilita a eleição de Jim Roy. Monteiro Lobato permeia a narrativa com algumas considerações raciais. Diz que tanto nos Estados Unidos como no Brasil houve erros iniciais na composição destas nações, este erro foi trazer o negro para a América, quando deveria ter permanecido na África.
Lobato então afirma que a segregação como implantada nos Estados Unidos é a melhor saída para este problema. Aqui Lobato faz um crítica direta ao antropólogo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Batista de Lacerda, que em um texto publicado em 1911 (Sur les Métis au Brésil / Paris, Imprimerie Devouge) desenvolveu suas idéias sobre o branqueamento futuro da população brasileira, que aconteceria até o início do século XXI.
images3Mesmo esta teoria, extremamente racista, não era o suficiente para as pretensões eugênicas de Lobato. Em um trecho de O presidente negro o autor declara “A nossa solução foi medíocre. Estragou as duas raças, fundindo-as. O Negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de selvagem e o branco sofreu a inevitável penhora de caráter”.
No romance, entretanto, ele postula uma solução eugênica para o Brasil: no futuro as regiões sul e sudeste se uniram à Argentina e ao Uruguai para formar a grande República Branca do Paraná, enquanto as regiões norte e nordeste foram entregues aos negros, índios e mestiços. Já os americanos, agora com um presidente negro, não se sujeitariam em dividir sua nação ou ferir sua constituição expulsando ao negros para a África, assim neste país a solução foi de outra magnitude.
Inicialmente Lobato invoca um processo artificial de branqueamento, que teria deixado os negros “horrivelmente esbranquiçados”, mas mesmo após a “despigmentação” os negros não poderiam ser aceitos pelos brancos orgulhosos de sua raça e cor diante daquele “esbranquiçado – um pouco desse tom duvidoso das mulatas de hoje que borram a cara de creme e pó de arroz”(como a de Michael Jackson?).
images4É então que um inventor americano John Dudley propõe uma solução. Alisar os cabelos dos negros através do uso de raios ômegas. Milhões de negros, na verdade a totalidade destes, passam pelo processo de alisamento, sendo que em todos os bairros de todas as cidades americanas filiais da empresa de Dudley são abertas. Monteiro Lobato então revela a grande saída americana, o genocídio, os ditos raios ômegas, além de alisarem os cabelos dos negros, provocam a esterilização de toda à raça negra. Lobato saúda a grande solução americana.
O presidente negro, ainda hoje, é uma leitura importante, principalmente pelo fato de o autor não tentar esconder seu racismo, sob o manto de uma pretensa democracia racial. O livro de Lobato sintetiza um pensamento racista dominante na época, mas muitas vezes escondido em malabarismos retóricos. É um material indispensável para entender o pensamento racista que permeava a sociedade brasileira no início do século XX.
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O Projeto Arqueologia da Ficção Científica tem por objetivo resenhar romances e contos de ficção científica publicados, em língua portuguesa, do advento da ficção científica ao fim do século XX.